Cá estamos com o vídeo dois da nossa jornada pelo livro Mulheres que correm com os lobos! Foi muito legal ver que tem um monte de mulher aqui querendo conversar mais sobre esse livro que traz tanta força para a nossa descoberta da mulher selvagem.
O capítulo dois conta a história do Barba Azul - o predador natural, inato, que existe dentro de cada um de nós. Esse personagem, temido por muitos, conquista a mais nova de três irmãs e com ela se casa. A vida de casado segue bem até a primeira viagem dele – quando ele entrega à ela as chaves de todas as portas do castelo, alertando para uma apenas, umazinha que não deveria ser usada.
E é aí que a chave vira um dos elementos centrais da história. O que ela abre? Por todo esse capítulo, Clarissa Pinkola Estés, nossa autora, vai conduzindo a gente pelos lugares abertos pela chave que verte sangue.
Outro símbolo bem importante é o próprio Barba Azul. Que não representa um homem, exatamente, mas o predador psicológico que mora dentro da gente. Aquele pensamento sabotador, aquela vozinha interna que diz: “não vai dar certo”, “melhor ficar quieta”, “você tá exagerando”. Podemos chamar de autossabotagem, de síndrome da impostora.
A barba azul dele é um detalhe simbólico: ninguém tem barba azul. Essa coloração estranha já indica que tem algo errado ali, algo que não se explica com lógica. Um medo, um trauma antigo, uma intuição sufocada. Não é conversa de outro mundo, é coisa da nossa própria psique, vem de dentro da gente.
Barba Azul é aquela força que faz com que a gente negocie com a gente mesma, que nos leva pra trás ou para o sentido oposto do que deveríamos ir. O arquétipo do Barba azul faz com que eu minta para mim mesma.
Segundo a autora, o Barba Azul “simboliza um complexo profundamente recluso que fica espreitando, observando, à espera de uma oportunidade para atacar”. Ele é o anjo caído, o Ícaro que quis voar alto demais… e se queimou. O Barba Azul representa todos os predadores que desejaram superioridade e poder sobre os outros - e fracassaram. Os mitos são cheios desses exemplos.
Na vida real, esse predador pode aparecer como uma escolha de parceiro que você sabe que vai dar errado. Ou um grupo de amigos que não são tão legais com você. Pode ser aquele padrão repetitivo que a gente insiste, mesmo já tendo entendido que não leva a lugar nenhum.
Por quê? Porque o Barba Azul hipnotiza. O Barba Azul oferece algo mágico, fantasioso.
Precisa de um estado de inocência, fragilidade ou fantasia para cair no conto do predador: “quero alguém que resolva tudo pra mim, não quero me responsabilizar por mim mesma, ou pior: eu mereço o paraíso”.
O nosso ego deseja sentir-se fantástico, e então nos tornamos alvo do predador. Quando a cultura nos diz “seja boazinha”, também nos tornamos um alvo. A doçura nessas ocasiões também só faz com que o predador sorria. [Cuidado com o que ensinamos às nossas meninas!]
O predador tenta transformar encruzilhadas em ruas sem saída. Ele nos deixa entorpecidas, congeladas. Ele oferece maravilhas, ilusão de segurança e conforto — até que a gente abre a tal porta proibida.
E quando a gente abre… vem a verdade. Vem a dor de enxergar o quanto da nossa natureza selvagem já foi morta, retalhada, sufocada em nome de um ideal que nunca foi nosso. É pesado? É. Mas é também o começo da libertação.
Clarissa escreve:
"Todas as criaturas precisam aprender que existem predadores. Sem esse conhecimento, a mulher será incapaz de se movimentar com segurança dentro de sua própria floresta sem ser devorada."
A chave que chora sangue é a nossa intuição voltando à tona. É a pergunta incômoda que não dá mais pra ignorar:
O que está atrás da porta?
O que eu sei, no fundo, mas preferia não saber?
Que parte de mim está morrendo em silêncio?
O mais bonito? A chave não para de sangrar. E é exatamente por isso que a gente começa a viver de verdade. Quando a gente entende o que tá morrendo… é aí que começa a nascer algo novo.
A irmã mais nova do conto, que representa nosso lado mais jovem e impulsivo, aprende. Ela planeja sua fuga. Ela chama suas irmãs mais velhas - a intuição - e os seus irmãos homens - o ANIMUS. Os irmãos homens simbolizam as forças ativas e agressivas da nossa própria psique, aquela parte de nós que luta, que protege, que reage.
No momento certo, ela não foge. Ela pede um tempo para se organizar e agir. Ela dá o bote. E isso não é sobre vingança, é sobre retomar o próprio território interior. Ela usa todos os recursos que tinha.
Veja que para agir ela PEDE AJUDA. Pedir ajuda pode sim ser um ato empoderado.
O predador só tem força quando a gente alimenta ele com nossa dúvida, nossa negação, nosso silenciamento. Quando a gente para de obedecer e age, ele perde o poder.
Clarissa vai além:
“Embora possa ser o parceiro físico da mulher quem a prejudique e arrase sua vida, o predador inato dentro da sua própria psique concorda com isso.”
O ato predatório acontece quando presa e predador passaram a trabalhar juntos. Ele dá a chave proibida e ela aceita “vou fazer o que você pediu”, prometendo que não vai usá-la.
O abusador só tem acesso a nós por conta da presença do nosso próprio predador interno. É assim que ele entra.
O objetivo do Barba Azul é afastar a mulher do seu lado selvagem, deixá-la sem intuição, resistência, percepção. Onde existe o Barba Azul há também o arquétipo da mulher selvagem, para recuperar tudo o que ele tenta destruir.
Ou seja: parte da nossa cura é parar de repetir o padrão. Parar de passar pano. Parar de dourar a pílula dizendo "ah, até que a barba nem é tão azul assim". O predator quer que você ignore o seu extinto. Respira.
VEJA O QUE ESTÁ VENDO.
AJA COM BASE NO QUE SABE SER VERDADE.
SE PARECE BOM DEMAIS PARA SER VERDADE É PORQUE É BOM DEMAIS PRA SER VERDADE.
SE PARECE AZUL, É PORQUE É AZUL.
Se há algo de sombrio, de proibido, isso precisa ser examinado.
A curiosidade não é muito bem vinda, fazer tanta pergunta não é de bom tom… Mas as perguntas precisam ser feitas.
É preciso desobedecer o predador: o que tem por trás dessa porta?
Se você tá passando por uma fase em que sente que perdeu algo de si, que uma parte da sua essência ficou presa atrás de uma porta trancada, essa história é pra você. Não para te assustar. Mas pra te lembrar que a chave tá na sua mão.
A chave SEMPRE está na sua mão. Você só pode vencer quando se RESPONSABILIZA e escolhe ver o que dói.
A chave, sim, chora. Mas também liberta. E uma vez que a porta se abre… não tem mais como voltar.
Uma mulher pode tentar evitar ver o que é sombrio, mas a chave sangrando mancha todas as roupas.
Não dá para DES-VER, não dá para disfarçar.
Esse sangue marca, ou a vida ou a morte. Você escolhe se morre ou vive ao abrir a porta.
Vai haver uma transformação, não há outra opção.
Como parar o Barba Azul?
“Em vez de insultar o predador da psique, ou invés de fugir dele, nós o desarmamos. Capturamos os pensamentos nocivos antes que eles cresçam o suficiente para nos prejudicar e os destruímos.”
O Barba Azul é morto e comido pelos corvos. A substância bruta se torna material e energia para a nossa própria criação.
“Aproveitar as partes do Barba Azul é como isolar os elementos de valor medicinal de um veneno e usar esses materiais com cuidado para ajudar e curar.”
Esse livro fala de individuação: tornar-se mais consciente de si mesmo e de suas características únicas, seus aspectos conscientes e inconscientes. É um processo contínuo. Sempre vai ter uma iniciação a mais, um outro degrau de consciência pra gente atingir.
No caminho de individuação é preciso suportar o que se vê: autodestruição e entorpecimento.
É preciso fazer a pergunta certa, que provoque a germinação da consciência.
Não tenha medo de investigar o pior e encontrar respostas verdadeiras para suas perguntas mais profundas e sombrias.
Só assim deixaremos de ser a virgem de olhos vidrados e nos tornaremos a mulher de olhos vigilantes, com um guerreiro de cada lado, caso seja preciso convocá-los.
Share this post